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segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Sherazade: viagem pelo imaginário

A luta pela sobrevivência como possibilidade da vida. Para o artista plástico Hilal Sami Hilal, esse é o significado da obra Sherazade, que dá título à exposição na Caixa Cultural Brasília, aberta à visitação até 14 de setembro. 

Sherazade é um labirinto de livros encadernados de modo contínuo: páginas de narrações futuras

Buscando referência em sua origem árabe, o artista capixaba já dispôs até 400 livros entrelaçados que reportam à estratégia da lendária princesa Sherazade que por mil e uma noites poupou a própria vida contanto histórias fantásticas ao rei Shariar. Na instalação em Brasília, Hilal reuniu 180 desses livros sobre o piso da galeria, mas consegue com esse número passar a idéia de diálogo - de contraposição e contradição - entre finito e infinito, como nas histórias de Sherazade. 

Lugar de Passagem: ilusão e vetigem na obra criada para a mostra na Caixa Cultural

O mundo dos livros e das palavras está presente nas outras sete peças em exposição em que forma e materialidade são objeto de reflexão, assim como o visível e o invisível. O livro de cobre, com páginas densas, letras espessas, violentamente corroídas pelo ácido que as molda; outras páginas tão finas, quase etéreas, letras minúsculas, conteúdo rarefeito; o livro "penetrável" por mente e corpo ou o conhecimento aprisionado em "Biblioteca". Nessas situações limite, pretendem falar do corpo e da alma; de sonhos e de liberdade, como na metáfora da princesa da antiga Pérsia.

 Nomes de amigos e familiares nas páginas de cobre: memória afetiva
Trapos de roupas de membros da família servem de matéria prima para os papéis que confecciona

"A gravação na chapa de metal por violenta corrosão com ácido contrasta com a delicadeza da escritura e dos signos formados nos livros. As chapas de cobre e outros elementos, conectadas ao vigor da energia do metal, potencializam o que delas emana, permitindo lançar um olhar sobre o pensamento que as constitui, motivado pelos seus próprios elementos que transitam da superfície pictórica para a bidimensionalidade. Colocadas umas sobre as outras, abertas, soltas ou lacradas, dispostas sobre bancadas, justapostas em planos ou enviesadas pelas paredes, as chapas retalhadas alteram-se, comutam-se em páginas: partituras musicais, cartografias, mapas e livros. Escultura, pintura, desenho e papel se misturam  e se desfazem no imaginário do artista", nos alerta o texto de divulgação. 

As obras, produzidas entre 2007 e 2014, estão visivelmente conectadas pela linguagem, materiais e temática. A curadora Marília Panitz explica que Hilal trata a passagem do tempo, mas não apresenta uma narrativa: “Sua história se dá pela sucessão das páginas. Funciona como uma escrita do mundo que precisa ser preenchida por cada um de nós”.

Essa trajetória do artista está evidente na mostra, na evolução e consistência de sua obra. Ele iniciou nos anos 1970 um trabalho com desenho e aquarela e posteriormente interessou-se pela confecção de papel com técnicas japonesas, o que o levou a duas viagens de pesquisa ao Japão. A partir desse encontro de referências do Oriente com o Ocidente, agregadas a suas próprias raízes sírias, surgiram suas obras rendilhadas, confeccionadas com uma material exclusivo, criado com a celulose extraída de trapos de algodão mesclada com pigmentos, resina e pó de ferro e de alumínio. 

Outras obras são criadas com placas de cobre trabalhadas com ácido e com placas de poliestireno de alto impacto impressas, como "Lugar de Passagem", instalação realizada especialmente para esta exposição. A obra permite o trânsito do visitantes entra as placas fixadas no teto da galeria.


Nas pesquisas em busca de conteúdos estéticos chegou à azulejaria portuguesa, onde percebeu a influência árabe nos elementos levados pelos mouros para a península ibérica. Nesse encontro aconteceu a identificação e, embasada em suas próprias origens de família imigrante, um questionamento sobre a ligação entre o sincretismo e a miscigenação, tema que, vivido por seus pais no início de Século XX quando imigraram para o Brasil, passa a interessar ao artista: entender o sincretismo, a miscigenação e a fusão de culturas que nos são intrínsecos, lhe permite começar a entender nosso imaginário. 


Sherazade -  Hilal Sami Hilal
Galeria Principal da Caixa Cultural Brasília 
SBS, quadra 4, lotes 3/4 - Asa Sul, anexo à matriz da CAIXA
+55 61 3206-9448 / 3206-9449
Visitação: até 14 de setembro, de terça-feira a domingo, das 9h às 21h
Classificação Indicativa: Livre
Entrada Franca


Fotos: Rodrigo de Oliveira (para Caixa Cultural)